A Avó Velhinha vai amanhã para um lar, ou antes, para o que eu defino como um 'depósito de velhinhos'.Tenho pena, tenho mesmo muita pena de uma pessoa que não vê, mal ouve e que não tem poder de decisão sobre o que se vai passar no resto dos seus dias.
A Avó Velhinha nunca foi 'pêra doce', antes pelo contrário, foi sempre chatinha e má para quem ela queria.É mãe da minha mãe, e os meus dois tios, contra a vontade da minha mãe (ganha o 2 contra 1) e após um curto internamento da minha avó, por ter um rim a funcionar mal e estar desidratada (o que já passou), decidiram que ela, em vez de ir para casa dela com uma pessoa a tomar conta dela 24h por dia, vai mas é para o depósito, onde não chateia e lhes dá uma vida menos preocupada.A meu ver, enquanto ela estiver no seu juízo quase perfeito (coisa que ainda acontece), acho que é uma crueldade o que lhe vão fazer, tendo em conta as particularidades que descrevi acima (cega e praticamente surda), mas, 2 contra 1...enfim.
Quero muito que lugar para onde ela vai seja realmente bom, isto porque ainda não tem alvará para funcionar como lar.Vê-se frequentemente na televisão reportagens que denunciam 'depósitos' destes em que as más condições em que têm os pobres velhinhos são mais que muitas, e eu gostava de levar a Tita a ver a Avó Velhinha, até porque a relação que têm as duas é muito engraçada.Cedo a minha filha percebeu que era preciso tocar na avó para que ela soubesse que ela (Tita) estava ali ao pé dela e percebeu também que era preciso falar mais alto para ela do que para as outras pessoas.A minha Avó, quando começou a recuperar do estado semi-comatoso em que ficou devido à desidratação, perguntou muito pela Tita, diz que tem saudades dela e manda-lhe muitos beijinhos.Ela percebeu que estava num hospital e ao perguntar hoje à minha mãe para onde ía, a minha mãe disse-lhe que ela ía mudar de hospital.Não sei o que lhe vai na cabeça, sinceramente, mas espero poder levar a Tita a vê-la, se o local fôr próprio a uma visita de uma criança.
Estou triste.Estou muito triste, porque vão ter de entregar a casa da minha avó ao prédio onde o meu avô foi porteiro durante décadas.Deixaram, depois do meu avô falecer que ela ficasse a morar lá, 'até um dia', mediante o pagamento de uma renda simbólica de 40€ mensais.A casa onde a minha mãe cresceu, onde eu também cresci, onde decorreram vários encontros de família, Natais, Aniversários, etc.
E gostava de lá voltar uma última vez (se 'a fúria de empandeirar a velhota' que os meus tios têm o permitir).Há coisas com que eu gostava muito de ficar para mim.Coisas que me lembram o meu avô, a minha avó e a minha infância, como, os pratos de alumínio em que eu comia quando era pequena, os talheres com que os meus avós comiam (que eram diferentes de todos os outros), o frasco do açúcar que está lá desde que eu me conheço como gente, uma agenda telefónica com muitas coisas escritas pelo meu avô e fotografias antigas que por lá andam e a 'fúria' há-de encarregar-se de destruir.
Sei que são bens materiais, mas para mim teria mesmo muita importância, nem que fosse para colocar tudo numa caixa na arrecadação.Era um bocadinho da minha infância que ficaria ali, guardadinha, para eu abrir e ver quando me apetecesse.Será que me faço entender?
E o pior de tudo é que a 'fúria' decidiu e nós, supostamente ainda nem sequer sabemos de nada.Não fosse a assistente social do hospital ver a minha mãe e chamá-la à parte para lhe contar, os 'furiosos' não nos avisaram de nada.Podia chegar amanhã para a visita ao hospital e encontrar uma cama vazia.....
Avó Velhinha, vou fazer tudo para tentar ficar com o que sempre disseste que me querias dar, mas vou fazer ainda mais, para tentar guardar um bocadinho de vocês comigo, sem serem só memórias.E vou-te visitar, com, ou sem Tita.
Espero, do fundo do coração, que tudo corra melhor.