Sei que ultimamente não tenho escrito grande coisa e o que escrevo é desanimador, mas tenho de escrever sobre o que consegui fazer hoje.Eu não vou a velórios e os funerais aos quais fui, mantive-me à distância.Nem sei do que tenho medo, não sei se é não querer encarar as coisas como elas são, se é de não me querer impressionar com o que se possa ver, enfim, acho que há muita gente assim.
Ontem, quando me ligaram a dizer que a minha avó tinha morrido, eu estava a tomar café e em seguida, ía visitá-la ao 'depósito'.Acabei por ir lá, mas mais para saber como tudo tinha acontecido e não a vi.Perguntaram-me se o queria fazer, pois ela ainda lá estava, mas eu disse que não, que não vía mortos.
A minha mãe foi ontem igreja e disse-me, quando chegou a minha casa, que a minha avó estava com tão bom aspecto, serena, bonita que parecia que estava a dormir.
Hoje, ao telefone com uma amiga, escutei os seus conselhos sábios sobre o despedirmo-nos de alguém que nos é querido e de quanto nos podemos arrepender se não o fizermos.
Só me vinha à cabeça que, quando eu soube da notícia, eu ía a caminho de a visitar (já que só o podia fazer em dias de folga ) e que acabei por não o fazer.Pensei também na última vez que a vi viva.Estava tão dopada que nem deu pela minha presença.Eu costumo, às vezes, sentir algumas coisas. São pressentimentos que eu prefiro ignorar, porque me incomodam, pois sinto que vai mesmo acontecer alguma coisa.Com o meu avô foi assim.O dia em que o vi pela última vez, eu senti que era mesmo a última vez que o estava a fazer.E foi.Com ela, não foi bem o que se passou.Foi parecido.Ao tentar acordá-la, toquei-lhe nos cabelos, nas orelhas, nas mãos, para ver se ela acordava.Em vão.Como tal, limitei-me a encostar a minha cara à dela, dei-lhe a mão e fiquei só assim....a sentir a minha avó.Pensei que podia ser a última vez e queria, mesmo que ela não desse por isso, que me sentisse junto a ela.Fiz-lhe festas e fiquei ali um bocado com ela, no que foi o silêncio, o escuro, o nada do último mês e meio da sua vida.E só pensava:'Que vida é esta, Meu Deus?Porquê?'
Segredei-lhe que estava ali e que, já que ela não acordava, me ía embora.Quando a minha mãe a visitou, um ou dois dias depois, ela estava mais disperta e contou-lhe que eu tinha lá estado, mas que ela estava tão adormecida que nem deu por mim.Ela disse-lhe que bem lhe parecia que tinha dado pela minha presença.Se deu, ou não, não sei.Isto aconteceu na minha folga anterior à de ontem.
Eu pensei que podia ser a última vez.E não me senti bem em pensar nessa possibilidade ( dado os pressentimentos de que já falei ).Mas não podia ser a última vez.
Depois de falar com a S. percebi que lhe devia uma última visita.Afinal de contas eu ía visitá-la ontem, e não fui!
Hoje, pela primeira na minha vida, vi alguém morto.Mas foi tão normal, senti-me tão bem, que acho que teria ficado bem mais afectada se não o fizesse.Quando a minha mãe lhe destapou a cara ela estava normal, mesmo como se estivesse a dormir.Estava, até, com muito melhor aspecto do que das últimas vezes em que a visitei.A primeira reacçaõ que tive foi tocar-lhe nos cabelos, dar-lhe um beijo e encostar de novo a minha cara à dela.Mas já não a senti.Estava fria, dura e hirta.Mas bonita.E segredei-lhe para dar um beijo ao meu avô.Mas acho que não era preciso pedir-lhe isso, porque senti (mais uma vez....) que ela já o tinha dado.O que ali estava já era só o corpo, porque a sua alma, de certeza, que já estava junto à do meu avô, na 'Estrelinha'.
Beijos grandes aos dois.
